O que é o Montado?
O que é o Montado?
O Montado é um sistema agroflorestal, desenvolvido pelo Homem, com uma cobertura arbórea mais ou menos dispersa de, maioritariamente, sobreiros (Quercus suber) e azinheiras (Quercus rotundifolia) [1]. Os montados são também referidos como sistemas agro-silvo-pastoris, uma vez que as principais atividades aí desenvolvidas são a agricultura, silvicultura e a pastorícia [2].
A ação humana é fundamental para o Montado, já que foi dada a sua intervenção nos bosques mediterrânicos da pré-história, que surgiu o sistema que hoje conhecemos como Montado. Os primeiros sinais de desbaste dos bosques mediterrânicos, por meio de queimadas, aparecem há cerca de 9 mil anos, na Revolução Neolítica, quando o Homem começou a usar estas terras para praticar a agricultura, seguindo-se uma desarborização progressiva até finais do século V. Já no século VI foi expandida a área destinada a agricultura, acompanhada de uma desmatação seletiva, com proteção do sobreiro e do zambujeiro. Estas zonas agrícolas podem ser consideradas os primeiros Montados. O nome terá tido origem no conflito causado pela invasão destas pastagens pelos rebanhos transumantes. Para atenuar as consequências que isto trazia, surgiu o tributo de “Montadigo” ou “Montado”, um imposto cobrado a quem levasse os animais de montaria [3].
Sem a intervenção humana os Montados evoluem naturalmente para um tipo de bosque que dificulta a recolha de recursos e que na maioria das vezes têm uma biodiversidade mais reduzida. No caso do Montado a interação entre o Homem e o Meio é o que nos permite manter um ecossistema com elevada biodiversidade [2].
Onde se encontra?
Cerca de 4 milhões de hectares da Península Ibérica estão cobertos de Montado (ou dehesa, como é chamado em Espanha). Em Portugal, este sistema é observado maioritariamente a sul do rio Tejo, com os sobreiros a ocupar uma área de cerca de 716.000 ha, e as azinheiras a ocupar cerca de 413.000 ha, num total de 1.129.000 ha, representado cerca de 33% da área florestal de Portugal [4]. Para além da Península Ibérica, a azinheira cresce naturalmente na Bacia do Mediterrâneo, no sul de França, Itália, e ao longo do litoral europeu até à Turquia, bem como no norte de África [5]. Já o sobreiro é encontrado no litoral, de Portugal até a ilha da Sicília, e em certas zonas de Marrocos, Argélia e da Tunísia [6].


Figura 2 - Distribuição natural do sobreiro pelo mundo (2017) [6]
A distribuição das duas espécies pelo território nacional está dependente de fatores como clima e o tipo de solo, juntamente com a sua capacidade de resistir à seca [7]. O sobreiro, característico das zonas mais litorais do país [2], prefere vales húmidos e sombreados, climas amenos e solos siliciosos ou arenosos, geralmente ácidos. Dado à menor resistência ao frio e oscilações de temperatura (quando comparado com a azinheira), o sobreiro é encontrado com menor frequência em zonas interiores e altitudes mais elevadas. É dominante em zonas de precipitação moderada [7]. Já a azinheira, predominante nos montados do interior [2], nomeadamente na região do Guadiana, é uma espécie adaptada a zonas secas e encostas ensolaradas. Exige menos humidade e tem uma melhor tolerância a temperaturas extremas e a altitudes elevadas, podendo ser encontradas em áreas com altitudes acima de 900 metros [7].

Figura 3 - Distribuição natural do sobreiro em Portugal (A.Carapeto, P.V.Araújo, F.Clamote, M.Porto, S.Malveiro, P.Beja, D.Frade, J.Lourenço, et al. (2025). Quercus suber L. - mapa de distribuição. Flora-On: Flora de Portugal Interactiva, Sociedade Portuguesa de Botânica. http://www.flora-on.pt/#wid1641. Consulta realizada em 23/07/2025 (2025))

Figura 4 - Distribuição natural da azinheira em Portugal, adaptada de “Guia da Flora de Portugal Continental, Tomo I, Parte I”, de André Carapeto, Paulo Pereira e Miguel Porto, Ed. Imprensa Nacional.(2020)
Para que serve?
Ao contrário de outros tipos de sistemas, o montado permite conjugar uma exploração rentável a nível económico com a preservação de um ecossistema benéfico para o meio ambiente.
Este sistema, considerado agrosilvopastoril, nos últimos anos tem vindo a ser mais um sistema silvo-pastoril, dado que a atividade agrícola praticada no montado tem vindo a perder rentabilidade e expressão.
Nos montados de sobro a atividade económica mais notável é a produção de cortiça, um dos produtos mais exportados do nosso país. Portugal lidera a produção e exportação de cortiça a nível mundial, dominando cerca de 50% do mercado global[8]. Já nos montados de azinho prevalece a produção de bolotas (as bolotas das azinheiras são mais doces que as dos sobreiros), e de lenha. Para além destas atividades económicas, é comum a prática da pecuária, com o gado a alimentar-se não só da bolota, mas também dos estratos herbáceo e arbustivo encontrados nos montados.
Para além da exploração económica, o montado confere à humanidade uma série de serviços de ecossistema (benefícios para o Homem retirados dos ecossistemas), um conceito que se tornou mais conhecido com o projeto global Millennium Ecosystem Assessment (MEA), no início do século XXI[9]. Estes serviços são geralmente divididos em quatro categorias:
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Serviços de provisão;
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Serviços culturais;
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Serviços de regulação;
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Serviços de suporte.
Os serviços de provisão são caracterizados pelos bens físicos que podem ser retirados do montado. Para além dos anteriormente referidos (cortiça, bolota, madeira), os produtos pecuários (carne, lã, leite) também são serviços de provisão, assim como o mel e as plantas aromáticas e medicinais. Encontram-se também espargos silvestres (Asparagus acutifolius e Asparagus aphyllus) e cogumelos, como as túberas e as silarcas, que durante a sua época fazem parte da ementa das populações locais[2].
Os serviços culturais são as atividades recreativas que se realizam no montado. Um exemplo com muita expressão é a caça, que, gera anualmente em Portugal cerca de 360 milhões de euros, seguindo leis restritas, com foco na conservação e desenvolvimento do mundo rural[10]. Para além da caça podem realizar-se passeios a pé ou de bicicleta, caminhadas, trails, piqueniques, e durante determinadas épocas, a apanha de cogumelos e de espargos, atividades estas intrinsecamente ligadas à cultura de algumas povoações. Tudo isto contribui para que o montado tenha também um elevado valor turístico[10], tendo também em conta os diversos estudos que mostram que estar em contacto com a natureza melhora a saúde das populações, em especial a saúde mental.[11]
Os serviços de regulação referem-se ao controlo e regulação dos processos naturais que ocorrem num determinado ecossistema. Num clima semiárido, como aquele em que nos encontramos na margem esquerda do Guadiana, o montado é fundamental para ajudar no controlo do clima, aumentando a humidade e baixando a temperatura. Como é feito este controlo? Essencialmente pela fotossíntese e posteriormente pela transpiração, realizada por toda a flora no montado. Ao realizar a fotossíntese, as plantas estão a retirar dióxido de carbono, o principal responsável pelo aquecimento global, da atmosfera, diminuindo assim a temperatura global. Ainda durante a fotossíntese, as plantas retiram água do solo, no entanto, retiram mais do que a que vão utilizar, e essa água acaba por sair pelas folhas durante a evapotranspiração, na forma de vapor de água, aumentando a humidade. A nível local, a diminuição de temperatura mais significativa que se observa no montado é à sombra das árvores, onde se chega a observar menos 5 graus C do que nas áreas diretamente expostas ao sol.[12]
Por fim, os serviços de suporte referem-se à manutenção dos ciclos biogeoquímicos (ciclo da água, ciclo da matéria, etc) necessários à vida, bem como o combate à erosão e a formação de solo. A erosão é um problema, que, com as alterações climáticas, só tem vindo a aumentar. A melhor ferramenta de combate a este fenómeno são as raízes das plantas, que ajudam a manter o solo com diversos mecanismos:
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Agarram o solo, impedindo que as partículas sejam levadas por água ou ventos fortes;
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Melhoram a estrutura do solo, impedindo que o solo fique compactado, o que permite a infiltração de água e diminui a escorrência;
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Melhoram a fertilidade dos solos, o que por sua vez vai levar a um maior número de plantas que ajudam a reduzir a erosão. [13]
Biodiversidade
O montado está integrado na Bacia do Mediterrâneo, um dos 36 “hotspots de biodiversidade” [14]. Para além da azinheira e do sobreiro, o montado conta ainda com outras espécies de árvores, arbustos e herbáceas, como o carrasco (Quercus coccifera), o medronheiro (Arbutos unedo), o folhado (Viburnum tinus) e a murta (Myrtus communis) e ainda cerca de 140 espécies de plantas aromáticas, medicinais e melíferas.
Em termos de fauna selvagem, o montado tem 24 espécies de répteis e anfíbios (53% da população portuguesa), 37 espécies de mamíferos (60% dos mamíferos portugueses) e mais de 160 espécies de aves [15].
Exemplos [16]:
Anfíbios e répteis:
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Tritão-de-ventre-laranja (Tnturus boscai)
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Lagarto-d’água (Lacerta scheiberi)
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Salamandra (Salamandra salamandra galaica)
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Sapo-parteiro-fossador (Alytes cistemasii)
Mamíferos:
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Lebre (Lepus granatensis)
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Coelho (Oryctolagus cumculus)
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Doninha (Mustela nivalis)
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Texugo (Meles meles)
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Raposa (Vulpes vulpes)
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Gineta (Genneta genneta)
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Lince-ibérico (Lynx pardinus)
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Saca-rabos (Herpestes ichneumon)
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Fuinha (Martes foina)
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Javali (Sus scrofa)
Aves
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Passeriformes
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Toutinegra-real (Sylvia hortensis)
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Tentilhão-comum (Fringilla coelebs)
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Calhandra (Embemzia calandra)
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Escrevedeira-de-garganta-preta (Embenzia cirlus)
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Verdilhão (Carduelis chlons)
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Pintassilgo (Carduelis carduelis)
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Cotovia-pequena (Lullula arbórea)
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Melro (Turdus merula)
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Rouxinol (Luscima megarhynchos)
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Picanço-real (Lamus excubitor)
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Carriça (Troglodytes troglodytes)
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Rouxinol-dos-matos (Cercotrichas galactotes)
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Galiformes
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Perdiz (Alectorís rufa)
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Codorniz (Cotumix cotumix)
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Columbiformes
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Pombo-torcaz (Columba palumus)
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Rola (Streptopelia turtur)
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Gruiforme
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Grou (Grus grus)
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Abetarda (Otis tarda)
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Rapina
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Milhafre-real (Milvus milvus)
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Peneireiro-de-dorso-malhado (Falco tmnunculus)
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Peneireiro-das-torres (Falco naumanni)
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Falcão-abelheiro (Pernis apivorus)
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Águia-cobreira (Circaetus gallicus)
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Águia-imperial (Aquila adalberti)
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Tartaranhão-cinzento, águia caçadeira (Circus pygargus)
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Tartaralhão-azulado (Circus cyaneus)
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Água-de-asa-redonda (Buteo buteo)
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Coruja-das-torres (Tyto alba)
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Coruja-do-mato (Strix aluco)
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Mocho-galego (Athene noctua)
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Bufo-real (Bubo bubo)
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Grifo (Gyps fulvus)
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Abutre-do-egipto (Neophron percnopterus)
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Abutre-negro (Aegypius monachus)
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Águia-de-Bonelli (Hieraetus fasciatus)
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Que riscos corre?
Em finais do século XIX e na primeira metade do século XX foram observados vários surtos de mortalidade no montado de sobro em Portugal, no entanto foi apenas nas últimas três décadas (1990-2020) que este fenómeno tem vindo a ser encarado com preocupação. [18]
Um estudo realizado na margem esquerda do guadiana mostra uma significativa diminuição na densidade das azinheiras, fenómeno que pode ser explicado por pragas e doenças, a má gestão do território, como o sobrepastoreio e gradagens, que impedem a regeneração das árvores e aumento dos períodos de seca nesta região, resultado das alterações climáticas.[1][19].
Tanto em azinheiras como sobreiros observam-se dois tipos distintos de síndromes, o mais comum, denominado “morte lenta”, apresenta desfolhas, que vão deixando a copa mais transparente, principalmente na periferia, rebentação anormal e presença de manchas escuras e viscosas no tronco e ramos mais grossos. Como o nome indica a morte destas árvores decorre ao longo de um período mais extenso. A “morte súbita” que ocorre ao longo de 2 a 4 semanas, caracteriza-se pela seca das folhas que adquirem um tom castanho, mas que, maioritariamente permanecem nos ramos. [18]
Medidas de proteção
Para combater os efeitos observados no ponto anterior, têm vindo a ser propostas e implementadas diferentes soluções de gestão, entre as quais se destaca a instalação de pastagens melhoradas, com o propósito de simultaneamente manter a sustentabilidade e rentabilidade do montado.
Estas pastagens mostram um aumento da produtividade, da fertilidade do solo e da acumulação de matéria orgânica no solo.[20]
Outras medidas que podem vir a mitigar ou inverter o processo de declínio são:
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Produção de plantas: melhorar técnicas de conservação e processamento de sementes, seleção do genótipo mais adequado e melhorar técnicas de produção em viveiro.
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Plano de silvicultura adaptado ao estado fitossanitário e a produtividade (valorizar produtos alternativos como cogumelos, plantas aromáticas e medicinais, etc.).
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Técnicas de recuperação dos solos: avaliação da resposta do arvoredo adulto e jovem à fertilização mineral, avaliação do impacto das pastagens sob cobertos, avaliação da fixação do azoto em leguminosas semeadas, avaliação de polímeros superabsorventes ao nível do solo.[18]
Bibliografia
[1] https://www.ce3c.pt/uploads/subcanais2_conteudos_ficheiros/1644344272.pdf
[3] https://www.researchgate.net/publication/298324124_Breve_Historia_do_Montado (Fonseca, Ana. (2016). Breve História do Montado.)
[5] Azinheira: o carvalho com a bolota mais doce Florestas
[6] Barstow, M. & Harvey-Brown, Y. 2017. Quercus suber. The IUCN Red List of Threatened Species 2017: e.T194237A2305530. https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2017-3.RLTS.T194237A2305530.en.
[7] Azinheira vs. Sobreiro: Diferenças botânicas e ambientais, e principais utilizações
[8] Cortiça: O Ouro Verde da Indústria Portuguesa - Terra Animal
[9] O que são os serviços do ecossistema? - Florestas Florestas
[10] Livro Verde dos Montados_Versao online 2013.pdf
[11] A natureza é mesmo um bom remédio. A ciência explica porquê.
[12] Reducing Urban Heat Islands: Compendium of Strategies: Trees and Vegetation
[13] How Do Tree Roots Prevent Soil Erosion? - Natural Erosion Solutions - GardenerBible
[14] Hotspots | CEPF
[15] Montado - UNAC
[17] Pereira, P., Godinho, C., Roque, I. & Rabaça, J.E. 2015. O montado e as aves: boas práticas para uma gestão sustentável. LabOr – Laboratório de Ornitologia / ICAAM, Universidade de Évora, Câmara Municipal de Coruche, Coruche
[18] Perda de Vigor dos Montados de Sobro e Azinho: Análise da Situação e Perspectivas
[19] L. Sucena-Paiva. O. Correia. L. Rosário. S. Choza Holm oak wood pastures in SE Portugal: a spatial and temporal multiscale approach
[20] Gestão do montado: pastagens semeadas, solo e produtividade - Agroportal