Olivais
Olival Tradicional
História da Oliveira e do Olival Tradicional
A oliveira (Olea europaea) é das espécies mais ilustres da Bacia Mediterrânica devido à sua importância económica e cultural e ecológica, no entanto, a origem da espécie é ainda muito discutida. Apesar de haver registo da exploração da variante selvagem da oliveira (conhecida por vários nomes: oliveira brava, zambujeiro, ou oleastro) durante o período Neolítico, no Próximo Oriente e na Espanha, é geralmente aceite que a domesticação da oliveira começou no Próximo Oriente há cerca de 6000 anos [1]. A expansão e domesticação desta cultura foi um processo longo, passando do seu local de origem para o resto da Bacia Mediterrânica devido à expansão das civilizações e do comércio entre elas [2].
Um dos principais povos dispersores da cultura da oliveira para o Mediterrâneo Ocidental terão sido os Fenícios, levando-a até ao Norte de África e ao Sul de Espanha. Foi também pela sua mão, com ajuda do povo grego, que a oliveira chegou a Portugal [2].
A sua cultura foi continuada pelos Romanos, Visigodos, e posteriormente pelos Árabes, cujas palavras “az zayt” – sumo de azeitona, deram origem à palavra portuguesa azeite [3].
Esta história milenar faz com que as oliveiras sejam consideradas uma espécie nativa em quase todos os países da Bacia Mediterrânica [2].
O que é um Olival Tradicional
Olival Tradicional é o nome dado à variante de cultura da oliveira mais antiga em Portugal, caracterizada pela baixa densidade de árvores (até cerca de 100 por hectare), permitindo o seu aproveitamento para outras atividades agrícolas como a pastorícia ou culturas secundárias [4]. São geralmente culturas de sequeiro, que recorrem a um uso muito baixo de químicos, sendo o controlo das ervas feito, por exemplo, pelos animais que lá pastam [5]. Estes olivais encontram-se muitas vezes plantados em zonas marginais, onde o solo era menos fértil e menos adequado a outras culturas [4].
As variedades de azeitona mais utilizadas na região do Alentejo, que ainda hoje podem ser encontradas, são a “Galega Vulgar”, a “Galega Grada de Serpa”, a “Verdeal”, a “Cordovil”, a “Carrasquenha” [4] e a “Cobrançosa”.
É um tipo de cultura que apresenta uma grande produção por árvore (já que as árvores são maiores que as dos outros olivais com tipos de produção mais intensivas [5]), mas pouca produção por hectare [6]. A colheita é realizada geralmente entre outubro e dezembro, com recurso a varas manuais ou mecânicas e vibradores [7]. Esta baixa mecanização acaba por levar a altos custos de produção, nomeadamente para a contratação de mão-de-obra [6].
Características da Oliveira
Em Portugal Continental existem duas variantes de oliveira, o zambujeiro ou oliveira-brava (Olea europaea var. sylvestris) e a oliveira (Olea europaea var. europaea), que foi domesticada a partir da variedade silvestre.
O zambujeiro cresce de forma espontânea e pode ter aspeto de árvore ou arbusto. As suas folhas são mais pequenas e mais acinzentadas que as da oliveira, e o seu fruto também é mais pequeno. É menos comum no norte do país e pode ser encontrado em zonas secas e de solos rochosos.
A oliveira é uma árvore de crescimento lento, podendo atingir até cerca de 15 metros de altura e chegar a viver milhares de anos. O seu tronco, que fica mais espesso com o tempo, vai ganhando fendas e nódulos. As suas folhas são perenes e têm uma consistência que faz lembrar o couro.
É uma espécie que apresenta características que a ajudam a reduzir a perda de água e assim sobreviver em climas mais secos.
- A forma das folhas permite à oliveira perder a menor quantidade de água possível pela transpiração;
- As raízes são extensas e crescem paralelamente ao solo para poder absorver a maior quantidade de água das chuvas leves e intermitentes típicas do clima mediterrânico;
- Quando em condições de seca, as oliveiras param o crescimento, mas não o processo de fotossíntese, continuando a acumular reservas e a desenvolver as suas raízes [2].

Figura 1- Distribuição da Oliveira (esquerda) e do zambujeiro (direita) em Portugal. O verde-escuro representa as zonas onde o zambujeiro é mais frequente. Fonte: Mapas adaptados do “Guia da Flora de Portugal Continental, Tomo I, Parte I”, de André Carapeto, Paulo Pereira e Miguel Porto, Ed. (2020)[8]
Distribuição do Olival Tradicional em Portugal
Os olivais são caracterizados em relação à sua densidade de plantação (árvores/ha), sendo geralmente aceite que os olivais tradicionais têm entre 45 a 100 árvores/ha. Segundo o Recenseamento Agrícola de 2019 (RA, 2021), o Olival Tradicional ocupa em Portugal uma área de 138.000 ha, sendo a área total de Olival (Tradicional, intensivo e em sebe) cerca de 377.000 ha [9].

Figura 2- Olival para azeite: Densidade 45 – 60 árvores/ha [RA, 2021] – EDM – Entre-Douro-e-Minho; TM- Trás-os-Montes; BL – Beira Litoral; BI – Beira Interior; RO – Ribatejo; ALE – Alentejo; ALG – Algarve [9].

Figura 3- Olival para azeite: Densidade 61 – 100 árvores/ha [RA, 2021] – EDM – Entre-Douro-e-Minho; TM- Trás-os-Montes; BL – Beira Litoral; BI – Beira Interior; RO – Ribatejo; ALE – Alentejo; ALG – Algarve [9].

Figura 4 - Evolução de dados estruturais de todos os tipos de olival em Portugal [RA, 2021] – EDM – Entre-Douro-e-Minho; TM- Trás-os-Montes; BL – Beira Litoral; BI – Beira Interior; RO – Ribatejo; ALE – Alentejo; ALG – Algarve [9].
Biodiversidade no Olival Tradicional
Face à reduzida aplicação de químicos e às suas características de plantação (grande extensão com oliveiras bastante espaçadas umas das outras) os olivais tradicionais são imprescindíveis para salvaguardar a biodiversidade da área em que estão inseridos [10], uma vez que as densas copas das oliveiras fornecem abrigo e proteção a aves que fazem destas árvores o seu habitat natural (ex: corujas, poupas, codornizes e perdizes)[11]. Para além disso, este tipo de olivais são, também, ecossistemas ricos em plantas silvestres, especialmente plantas com ciclos de vida curtos ajustadas à sazonalidade das chuvas [12].
A intensificação da agricultura é uma das maiores ameaças para a biodiversidade. Num estudo realizado com o intuito de comparar a abundância de aves em diferentes tipos de olival, registou-se que a maioria das espécies respondia melhor a locais com menor nível de intensificação [13].
Na Serra de Ficalho (local de grande importância ecológica, situado na margem esquerda do Guadiana) é possível encontrar cerca de 500 espécies de plantas superiores, foi realizado um estudo em que se verificou que o tipo de olival que apresenta melhores resultados de conservação da biodiversidade é o tradicional de sequeiro, com controlo mecânico da vegetação [14].
Estudos em 40 locais diferentes de olival tradicional registaram-se 180 espécies de aves, 60 espécies de formigas e 200 espécies de abelhas selvagens a viver nestes locais [11].
Sabe-se também que estes ecossistemas semi-naturais são vitais para as aves da Europa Central e do Norte, que usam os olivais para se alimentar e fazer ninho [5].
Para que servem?
Em Portugal quase 99% dos olivais estão destinados à produção de azeite [9] e, apesar de ser o principal produto que se retira destes ecossistemas, está longe de ser o único. Para além do azeite e da azeitona, os olivais providenciam-nos variados serviços de ecossistema, como:
- Serviços de regulação – manutenção de habitats, controlo de pragas e doenças, sequestro de carbono;
- Serviços de suporte – formação de solo e manutenção do ciclo da matéria;
- Serviços recreativos – turismo, recreação e cultura [9,15];
Tudo isto faz com que os Olivais Tradicionais tenham um papel crucial na conservação da biodiversidade.
É de realçar, também, a sua importância a nível cultural. Numa cultura em que o olival e a azeitona são parte integrante de Portugal, os extensos Olivais Tradicionais com as suas oliveiras centenárias são marcos paisagísticos nos quais se vê uma grande aposta turística [9].
Ameaças
As alterações climáticas são uma ameaça para os olivais. Há estudos que mostram que a temperatura tem vindo a aumentar nos últimos 40 anos, sendo a temperatura anual atualmente 1,5º mais alta do que no período pré-industrial. Na Bacia do Mediterrâneo é esperado um aumento da temperatura até 5º no final do século XXI e alterações nos padrões de chuva [16]. Nos últimos anos a produção de azeite tem vindo a sofrer devido à seca, com as oliveiras a terem dificuldade em produzir fruto [17].
Estas condições meteorológicas extremas enfraquecem as oliveiras, deixando-as mais suscetíveis a pragas [17]. As alterações no padrão de crescimento das oliveiras estimulam a reemergência de pragas secundarias e patógenos invasores [16].
Uma destas ameaças é a bactéria Xyella fastidiosa, que ataca o sistema vascular das plantas, impedindo a passagem de água e nutrientes. Originária das Américas, foi detetada na Europa em 2013, na região de Apulia, na Itália e desde aí tem-se propagado pelo sul da Europa. O clima Mediterrânico, quente e húmido, é ideal para a reprodução da bactéria e dos insetos vetores. Olivais inteiros têm sido postos em quarentena e milhares de árvores têm sido destruídas na tentativa de conter esta doença, causando um enorme impacto nos ecossistemas [18].
No que toca especificamente aos Olivais Tradicionais, um dos grandes riscos que correm é a destruição para instalação de culturas de regadio [19], uma vez que os as culturas tradicionais não conseguem competir com os olivais intensivos e superintensivos na produção de azeite a baixo custo [10]. A destruição destes sistemas tem consequências gravíssimas a nível da biodiversidade local, ao destruir habitats de muitos animais silvestres [19].
Olivais Intensivos (em vaso) e Superintensivos (em Sebe)
Para tornar o olival economicamente viável, foi preciso adotar medidas que elevassem a produção e cortassem custos — sobretudo os de mão-de-obra — levando à mecanização das operações.
A construção da barragem do Alqueva e a implementação do perímetro de rega no Alentejo permitiram intensificar a exploração, criando uma excelente oportunidade de investimento e revitalização do setor oleícola.
Nesse contexto, surgiram sistemas intensivos desenhados para aproveitar ao máximo a área disponível, maximizar a produtividade e reduzir despesas, com destaque para os olivais em vaso ou intensivos e em sebe ou superintensivos [20, 21].
O que são olivais intensivos ou em vaso?
Os olivais com sistema de produção intensiva caracterizam-se por extensas plantações, nas quais as oliveiras têm a copa em vaso, com 200 a 600/800 árvores por hectare podendo a produtividade atingir as 7 a 9 toneladas por hectare [21, 22].
Neste tipo de sistema, procura-se maximizar a produtividade sendo muito importante otimizar a exposição dos ramos à luz e a disponibilidade de água ao longo do ciclo [21].
O clima mediterrânico, caracterizado por verões longos, quentes e com escassa precipitação, obriga à utilização de rega em volumes consideráveis para garantir o sucesso das culturas agrícolas (Ramos & Santos, 2010). Deste modo, a rega é um dos fatores chave na intensificação dos olivais nas zonas mediterrânicas e um fator preponderante para o aumento da produtividade, sendo imprescindível a utilização de um sistema de rega localizada do tipo gota-a-gota, conjugado com outros fatores como a fertilização e o controlo de pragas e doenças [23].
Estes olivais são plantados com variedades de oliveiras que dão azeitona mais precocemente e que são mais produtivas (em comparação olivais tradicionais), atingindo a produção máxima aos 8 – 10 anos e com rendimento a partir dos 4 – 6 anos. Para além disso, as oliveiras têm um porte mais pequeno para facilitar a mecanização dos trabalhos, em especial a colheita [24, 25].

Figura 5 - Plantação regular do olival intensivo [26].
O que são olivais superintensivos ou em sebe?
Os olivais com sistemas de produção superintensivos ou em sebe têm densidades de plantação entre 1500 – 2000 árvores por hectare. Este tipo de plantações revolucionou a cultura do olival, pois permitiu obter em 10 anos de cultura a mesma produção acumulada de um olival tradicional de sequeiro em 70 anos [21].
Nestes olivais, as árvores são plantadas em sebe, de modo a permitir a colheita com máquinas cavalgantes, semelhantes às utilizadas na vindima [25]. Com a colheita mecanizada significativamente mais ágil, é possível abarcar entre 10 e 25 hectares de olival por dia, assegurando a recolha das azeitonas no ponto ótimo de maturação e obtendo azeites virgem extra de qualidade excecional [27].

Figura 6 - Plantação regular do olival superintensivo [26].

Figura 7 - Cultivo superintesivo do olival com espaçamento variante: 3-4 m entrelinhas x 1-2 m entre árvores [26].
Neste tipo de olival, as oliveiras começam a dar azeitonas muito cedo, logo ao terceiro ano devido a duas características: as variedades usadas crescem pouco tempo até começarem a produzir e são plantadas muito próximas umas das outras, com raízes que quase se tocam. Tal como o olival intensivo, este sistema também depende de sistema de rega [21].

Figura 8 - Colheita do olival com máquinas adaptadas de vindimar cavalgantes [26].
Selecionar as variedades adequadas neste sistema de produção é fundamental, já que têm de ser combinadas várias características para tornar a colheita mecanizada possível: elevada produtividade, maturação precoce, ramos altamente flexíveis, copa de densidade intermédia e porte aberto. Entre as opções mais indicadas estão “Arbequina”, “Arbosana”, “Oliana”, “Sikitita”, “Koroneiki” e “Leciana” [28].

Resumo das principais diferenças entre os 3 tipos de olival (Tradicional, intensivo e superintensivo)

Figura 10 - Comparativo entre sistemas de plantação tradicional, intensivo e sebe (superintensivo): estrutura da copa, superfície foliar efetiva e volume em copa [26].
Onde podemos encontrar olivais intensivos/superintensivos?
Em todo o mundo, os olivais ocupam cerca de 11,5 milhões de hectares, sendo que 98 % dessa área se encontra na bacia do Mediterrâneo e aproximadamente 48 % em países europeus [29].
Aqui em Portugal, ambos os olivais intensivos e superintensivos concentram-se sobretudo no Alentejo, nomeadamente nas sub-regiões irrigadas pelo Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva. As áreas de maior expressão abrangem os concelhos de Ferreira do Alentejo, Beja, Serpa, Moura, Avis, Vidigueira e Aljustrel [22].

Figura 11 - Distribuição do olival em vaso (intensivo) e em sebe (superintensivo) em Alqueva (2019) [22].
Expansão agrícola
Nas últimas três décadas, a produção modernizou-se e intensificou-se rapidamente: plantações mais densas com árvores jovens, mais rega, mais mecanização e maior recurso a agroquímicos. Esta mudança que redesenhou a paisagem agrícola mediterrânica e gerou impactos importantes no ambiente e na economia local, foi impulsionada pelo aumento do consumo de azeite no mundo (devido à valorização mundial da dieta mediterrânica [30]) e pelos apoios da União Europeia - Política Agrícola Comum (PAC) [31, 32, 33].
No Alentejo, com a construção da barragem de Alqueva, abriram-se novas perspetivas agrícolas: as condições edafoclimáticas favoráveis, aliadas à ampla disponibilidade de terrenos agrícolas e ao acesso à rega, transformaram a região num pólo privilegiado para olivais intensivos e irrigados [22].

Figura 12 - Evolução da área de olival em Alqueva (ha) [22].
